Domingos de manhã passeados com vagar, fotografias, impressões e confidências feitas à cidade de Coimbra, suas casas e seus casos, seu rosto vivo, suas lágrimas e sorrisos.

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04 junho 2007

Uma frustrante e desmoralizadora visita aos azulejos do Metropolitano

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Domingo de manhã aponto para um objectivo muito apetitoso: uma visita com vagares e olhos bem abertos à estação do Jardim Zoológico, decorada com temática a propósito em azulejos da autoria de Júlio Resende.

É um encantamento.
Todo o espaço, paredes e até o próprio chão, estão recobertos com mil e uma sugestões que nos levam de visita ao esplendor da selva. A calçadinha à portuguesa vem fazer companhia aos azulejos, acrescentando sugestões de passear no verde selvagem, em veredas e figuras que se colam aos nossos passos, convidando-nos a reviver uma desejada infância contornando por aqui, correndo por acolá.

Uma selva perigosa, cheia de susto e de animais ferozes? Não!...

Esta selva tem tudo na cor, no espanto, no canto musical das aves e no seu esvoaçar aberto de penas macias e grandes esperas ao poente.
Uma arca de Noé com flores e todo o género de adereços naturais ali, onde é fácil esquecer que estamos debaixo da terra, passando os comboios de tantos em tantos minutos.

Uma certa distracção provinciana, ou o entusiasmo de pensar que o mundo − nem que seja por instantes − pode deixar de ser aquele sítio chato em que o cidadão se não é tramado assim, é tramado assado, impele-me a olhar livremente, puxando da tal maquineta fotográfica com que faço este “passear Coimbra” e vai disto:
fotografia para aqui, fotografia para acolá, flash quando é preciso, com toda a alegria e sem temor!...

O pior, é o mais mau!
Há dezenas de anos que ando de Metro em Lisboa, nunca vi um daqueles Senhores fardados chamar a atenção de quem passa para os azulejos:
- Meus Senhores, reparem só um instantinho, temos aqui uma obra de arte para mostrar a toda a gente: Vejam só estes azulejos, uma maravilha!...
Nunca, jamais, em tempo algum.

Mas naquele Domingo de manhã lá veio não um, mas dois fulanos (um à paisana, primeiro, outro fardado, depois) dizer-me que não podia tirar fotografias (“…por causa dos direitos de autor!…”)

Direitos de autor? Umas tanas!...
Pelo que lutam estes extremosos “defensores de direitos” é por uma noção redutora e burocrática da cultura. Uma cultura com açaimo, onde os direitos são os de não olhar para as coisas, afirmando uma posse sem horizontes de objectos que se não estimam, nem divulgam, nem amam.

Bem como toda a obra do Metro (que a princípio toda a gente chamava “o centímetro”, porque era pequenino) também ajudei a pagar os painéis. Para não falar nos bilhetes e passes, que já paguei muitos, para poder viajar de Metro, um sítio tão público que é como se estivesse ao ar livre, como nas praças e ruas do meu país!...

Havia, apesar de tudo, uma tonalidade hesitante no recado repressivo dos fulanos que mandaram parar com as fotografias. Estariam com pena das minhas ingénuas fotografias, ou estariam com vergonha de importunar um cidadão em pleno exercicio dum legítimo encantamento?!...

Vá lá saber-se...

Alguém os deve ter mandado.
Alguém que nunca deve ter olhado para os azulejos rachados, manchados, sujos, partidos e descolados que já por ali abundam!...

Defesa dos direitos de autor? De que autor?

Eu sou autor do meu olhar e sou cidadão deste país e não devo nada ao Metro, nem aos Administradores que ganham tanto que nem devem precisar de andar de Metro, mas mandam dar ordens sem pés nem cabeça que estragam uma manhã a quem tenha um minuto de alegria dourada tirando recordações de uma parede em Lisboa, para poder mostrá-la aos amigos em Coimbra.

Direitos de Júlio Resende? Hum, duvido muito!...
O artista, se soubesse o amor com que olhei a obra de sua autoria, ia regalar-se, tenho a certeza.
E as fotos de recordação, ia vendê-las, não querem lá ver?!...

Oh Senhores Administradores, se aqui estivesse a grande poetisa Natália Correia dir-vos-ia:
“…Oh esfomeados do sonho
A Poesia é para comer…”

E eu acrescentaria:
“…Oh burocratas néscios
O que é belo é para toda a gente ver!...”

1 comentário:

aminhapele disse...

Com que prazer assisti ao seu reaparecimento.
Um texto muito sério,como quem brinca e tem pouco a dizer.
Umas fotografias lindas,com a sensibilidade de artista.
Gostava que me desse este prazer,com mais frequência.

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